Você está desperdiçando talento com OKR?
Nem demais, nem de menos — times de alto desempenho precisam de gestão na medida certa.
Bem-vindo ao segundo artigo da série sobre como construir organizações outcome driven e obter resultados com OKR.
Se você ainda não leu o primeiro artigo, é melhor voltar e lê-lo primeiro.
Este post também está disponível em Inglês.
Imagine se você pudesse aprender liderança com o homem que foi mentor dos fundadores da Apple (Steve Jobs), Amazon (Jeff Bezos) e Google (Larry Page e Sergey Brin). Você pode – pelo menos indiretamente.
Bill Campbell, "o Coach do Vale do Silício", faleceu em 2016, mas deixou uma história incrível que ilustra a essência da liderança outcome driven. Do livro Trillion Dollar Coach (ênfase minha):
[Bill Campbell] gostava de contar uma história sobre quando ele era [CEO] na Intuit e eles começaram a entrar em produtos bancários. Eles contrataram alguns gerentes de produto com experiência em bancos. Um dia, Bill estava em uma reunião com um desses gerentes de produto, que apresentou aos engenheiros uma lista de funcionalidades que ele queria que eles desenvolvessem.
Bill disse ao pobre gerente de produto: se você algum dia disser a um engenheiro na Intuit quais features você quer, te jogo na rua.
Você diz a eles qual problema o consumidor tem. Você dá a eles o contexto de quem é o consumidor. Então deixe que eles descubram as funcionalidades. Eles vão te dar uma solução muito melhor do que você jamais obterá dizendo a eles o que construir.
Isso não significa que você deixa os engenheiros saírem por aí, sem restrições, fazendo o que quiserem. Pelo contrário, os times de produto precisam atuar em parceria com [times como vendas, marketing e finanças] desde o início, integrados a um grupo multifuncional que impulsiona novas ideias que resolvem problemas e aproveitam oportunidades.
Diga às pessoas o que alcançar, não o que fazer
Em sua essência, construir uma organização outcome driven é uma questão de liderança. As atitudes dos times geralmente refletem sua liderança, então nada mudará a menos que os líderes se comprometam a desaprender e adotar uma maneira diferente de liderar.
Eu amo a história de Bill Campbell porque é um resumo nítido dessa forma diferente de liderar: liderança outcome driven.
A história é sobre times de produto em uma empresa “powered by” tecnologia, mas suas lições se aplicam a outros papéis também. Se você substituir "funcionalidades" por "projetos" e "o que construir" por "o que fazer", verá que qualquer líder pode aprender com essa história.
Líderes outcome driven dizem às pessoas o que alcançar em vez de dizer a elas o que fazer.
O gerente de produto na história queria dar aos times uma lista de funcionalidades para construir, mas Bill Campbell disse a ele para explicar o que ele queria alcançar:
Você diz a eles qual problema o consumidor tem. Você dá a eles o contexto de quem é o consumidor. Então deixe que eles descubram as funcionalidades.
Campbell também destacou por que isso é importante:
Eles vão te dar uma solução muito melhor do que você jamais obterá dizendo a eles o que construir.
Ao longo da história, diferentes grupos lidando com incerteza chegaram à mesma conclusão, embora com nomes diferentes. O autor Stephen Bungay chama isso de "liderar por meio da intenção". O exército moderno chama de "comando de missão", enquanto o exército prussiano do século 19 se referia a isso como auftragstaktik, ou táticas do tipo missão, onde a ênfase está no outcome de uma missão, e não nos meios específicos de alcançá-la.
Na liderança outcome-driven, começamos definindo claramente o outcome que queremos alcançar, por que é importante e as restrições e limites que temos para alcançá-lo.
Na vida real, sempre há restrições sobre o que podemos fazer. Por exemplo, você pode ter que alcançar o outcome até o final do trimestre ou dentro de um determinado orçamento.
Os líderes devem trabalhar em conjunto com os times e stakeholders de diferentes áreas para definir claramente essas restrições e estabelecer as diretrizes necessárias.
Bill Campbell acreditava que o caminho para o sucesso é "formar times de alto desempenho e dar a eles os recursos e a liberdade para fazer grandes coisas". Mas ele deixou claro que os líderes precisam estabelecer limites:
Isso não significa que você deixa os engenheiros saírem por aí, sem restrições, fazendo o que quiserem. Pelo contrário, os times de produto precisam atuar em parceria com [times como vendas, marketing e finanças] desde o início [...]
Dizer às pessoas o que alcançar é um ponto de partida crucial, mas os líderes também devem encontrar o equilíbrio certo no gerenciamento dos times para alcançar esses outcomes.
O Princípio de Cachinhos Dourados
Um dos meus temas recorrentes é que as pessoas tendem a ver as coisas em preto e branco, considerando-as totalmente boas ou totalmente ruins. Mas a solução não é ir para os extremos. A solução é encontrar o equilíbrio certo.
Essa ideia é frequentemente chamada de Princípio de Cachinhos Dourados, em referência à história em que uma garotinha—a Cachinhos Dourados—experimenta três tigelas diferentes de mingau e descobre que prefere aquela que está "na medida certa," nem muito quente nem muito fria.
Assim como a Cachinhos Dourados, times de alto desempenho precisam que as intervenções da gestão sejam feitas "na medida certa". Como Bill Campbell explicou, os líderes não devem dizer aos times quais funcionalidades construir, mas também não devem deixar os times fazerem o que quiserem.
Mas muitas pessoas acreditam que adotar OKR ou o modelo de produto significa que os líderes devem ser completamente hands-off ou "delargar." Fornecer qualquer direção ou orientação seria cometer uma ofensa imperdoável: microgerenciamento (micromanagement, em inglês).
No entanto, microgerenciamento não é a palavra certa. Ela implica que focar nos detalhes—as coisas micro—está sempre errado. Mas se os líderes querem construir uma cultura que valoriza a qualidade e a experiência do cliente, eles têm que prestar atenção aos detalhes.
Esse conceito está embutido em um dos princípios de liderança da Amazon, Mergulhar Fundo (ênfase minha):
Mergulhar fundo
Líderes operam em todos os níveis, estão atentos aos detalhes, monitoram o tempo todo e desconfiam quando as percepções não refletem as métricas. Nenhuma tarefa é pequena demais para eles.
Ninguém era mais obcecado por detalhes do que Steve Jobs. Tony Fadell, que liderou o desenvolvimento do iPod e do iPhone, descreve isso em seu livro Criar:
Examinar o produto em grande detalhe e se importar profundamente com a qualidade do que seu time está produzindo não é microgerenciamento. É exatamente o que você deveria estar fazendo. Lembro-me de Steve Jobs tirando uma lupa de joalheiro e olhando pixels individuais em uma tela para garantir que os gráficos da interface do usuário estivessem desenhados corretamente. Ele mostrava o mesmo nível de atenção a cada peça de hardware, cada palavra na embalagem. Foi assim que aprendemos o nível de detalhe que era esperado na Apple. E foi isso que começamos a esperar de nós mesmos.
Não estou dizendo que todo líder deve fazer o que Jobs fez, mas gerenciar as coisas micro e prestar atenção extrema aos detalhes nem sempre é errado.
Em vez de microgerenciamento, é útil pensar em termos de gerenciamento demais e gerenciamento de menos. Quando temos gerenciamento demais, os gestores intervêm em excesso ou nos lugares errados. Quando temos gerenciamento de menos, os gestores não intervêm o suficiente.
A tabela abaixo resume alguns sintomas que indicam quando temos gerenciamento demais ou de menos.
Gestão na medida certa
Os líderes são responsáveis por criar as condições nas quais os times possam ter o melhor desempenho.
Isso significa que precisam buscar a gestão na medida certa—encontrar o equilíbrio certo de gestão para cada contexto, nem demais, nem de menos.
Tony Fadell enfatizou a importância de encontrar esse equilíbrio:
Uma das partes mais difíceis da gestão é desapegar. Não fazer o trabalho você mesmo. Você tem que moderar seu medo de que se tornar mais hands-off fará com que o produto sofra ou que o projeto falhe. Você tem que confiar no seu time—dar a eles espaço para serem criativos e oportunidades para brilhar.
Mas você não pode exagerar—você não pode criar tanto espaço a ponto de não saber o que está acontecendo ou ser surpreendido pelo produto final. Você não pode deixar que ele deslize para a mediocridade porque você está preocupado em parecer autoritário demais. Mesmo que suas mãos não estejam no produto, elas ainda devem estar no volante.
Fadell novamente:
Como gestor, você deve estar focado em garantir que o time esteja produzindo o melhor produto possível. O outcome é seu negócio. Como o time alcança esse outcome é problema do time.
Isso não significa que o gestor sempre escolha o outcome sem nenhuma participação do time. Significa que o gestor é, em última análise, responsável pelo desempenho do time e pela realização do outcome.
Os perigos do excesso e da falta de gestão
Outro princípio da liderança outcome driven é não desperdice talento. Não jogue fora o talento de todas as pessoas competentes e dedicadas da sua organização.
Quando vamos aos extremos de gerir demais ou de menos, desperdiçamos talento.
Conversar com diferentes times pode tornar essa discussão mais concreta. Vamos usar um excelente exemplo de Henrik Kniberg, que eu adaptei.
Imagine fazer a mesma pergunta para três times: No que vocês estão trabalhando e por quê?
Perguntamos ao primeiro time e eles nos dizem que estão implementando os requisitos do app de autoatendimento porque os stakeholders pediram. Eles dizem: “Nossa meta é entregar o projeto até 15 de junho.”
Os líderes trataram o time como tiradores de pedidos, dizendo a eles quais funcionalidades queriam. Essa atitude é típica de executivos sabe-tudo e é exatamente o que fez Bill Campbell querer jogar o gerente de produto na rua.
Quando os líderes tratam os times como tiradores de pedidos, eles obstruem o talento dos colaboradores e matam a inovação. Como Kent Beck explica:
Se você tratar as pessoas como peças de xadrez, não se surpreenda se elas mostrarem a iniciativa e a criatividade de peças de xadrez.
Gerenciamento de menos também desperdiça talento
A maioria das pessoas não percebe, mas as empresas também desperdiçam talento quando líderes não gerenciam o suficiente os times. Vamos conversar com o segundo time para entender por quê.
O segundo time diz que está trabalhando em um app de Bitcoin porque acham que é uma boa ideia. "Queremos lançá-lo até o fim do ano", dizem eles.
O problema aqui é que o time tomou uma decisão sem considerar as necessidades dos clientes ou do negócio, e sem evidências sólidas que apoiassem esta decisão. Os líderes adotaram uma abordagem completamente hands-off, ignorando o alerta de Bill Campbell e permitindo que o time fizesse o que quisesse.
No entanto, quando os líderes não gerenciam o suficiente, eles desperdiçam talento. Os times precisam de orientação, treinamento e apoio para ter o melhor desempenho. Você não obtém times de alto desempenho de graça—você tem que trabalhar para isso.
Atletas e artistas de alto desempenho sempre têm treinadores e gestores que os orientam e apoiam. Times de alto desempenho não são diferentes. Vamos conversar com o terceiro time para ver um exemplo.
O terceiro time diz que está testando ideias para o aplicativo de autoatendimento para reduzir a taxa de contato (contact rate em inglês). Esta métrica mede o número de vezes que os clientes contatam uma empresa buscando ajuda em um determinado período, e o time explica que isso é importante para melhorar a experiência do cliente e reduzir custos.
Este time:
Está focado em fazer a diferença, não apenas cumprir prazos.
Explicou claramente o outcome que queriam alcançar e por que ele é importante.
Entende as necessidades dos clientes e do negócio.
Compreende as métricas principais associadas ao seu trabalho.
Entende como seu trabalho contribui para o sucesso da organização.
Isso foi possível porque os líderes orientaram e mentoraram o time, ajudando-os a desenvolver os músculos e mindsets necessários para ter o melhor desempenho.
Alinhamento não acontece por acaso
Outro problema em deixar os times livres sem restrições é que o alinhamento não acontece magicamente. Sem orientação, cada time seguirá numa direção diferente, e vamos desperdiçar seu talento. Sem direcionamento top-down, não existe alinhamento.
A liderança sênior da Amazon tomou cuidados especiais anos atrás ao fazer a transição para times autônomos—times criados para operar com pouca ou nenhuma coordenação com outros. Como escreveram os ex-executivos Colin Bryar e Bill Carr no livro Obsessão pelo cliente:
Times autônomos são construídos para serem rápidos. Quando estão alinhados em direção a um destino comum, podem avançar muito em pouco tempo. Mas, quando estão mal alinhados, o time pode se desviar do curso rapidamente. Portanto, eles precisam ser direcionados para o caminho certo e ter as ferramentas para corrigir rapidamente o curso quando necessário.
Para garantir o alinhamento, cada novo time autônomo tinha que se reunir com o CEO Jeff Bezos e o executivo sênior que liderava o time. Juntos, eles discutiam a composição do time, o propósito e as métricas usadas para medir o progresso.
Hoje em dia, é impossível para cada novo time ter reuniões com o CEO, dado o tamanho da Amazon. Mas os diferentes gestores podem adotar uma abordagem semelhante para criar alinhamento.
A maioria das empresas já sofre com a falta de alinhamento. Você acha que deixar as pessoas fazerem o que quiserem vai melhorar a situação?
Encontrando o equilíbrio certo de gestão para cada contexto
Gerenciamento demais ou de menos são conceitos relativos. O que é gestão "na medida certa" para uma situação pode ser excessivo ou insuficiente para outra.
Precisamos encontrar o equilíbrio certo para cada contexto. Em alguns casos, os times podem precisar de orientações mais específicas e monitoramento mais próximo.
Por exemplo, a Intuit1 de Bill Campbell fornece um produto para declarações do imposto de renda americano (o TurboTax), então eles precisam seguir regulamentações, que podem incluir funcionalidades obrigatórias.
Não informar os times sobre as funcionalidades obrigatórias seria um caso grave de gerenciamento de menos. Mas dar a eles uma especificação fixa de como construir as funcionalidades poderia ser gerenciamento demais.
Líderes fortes buscam o equilíbrio certo. Eles ajudam os times de produto a colaborar com o jurídico para entender como cumprir os regulamentos enquanto fornecem uma boa experiência ao cliente. Mas se o governo exige alguma informação sobre o usuário, os líderes garantem que os times a coletem.
O produto também tem uma data de entrega clara: tudo precisa estar pronto bem antes de 15 de abril, quando os americanos precisam enviar suas declarações de imposto de renda. Este é um ótimo lembrete de que todas as organizações usam tanto outcomes quanto datas para gerenciar o trabalho. Sempre há casos em que precisamos nos comprometer com datas devido a regulamentos, contratos ou eventos como a entrega do imposto de renda.
A diferença é que essas datas e funcionalidades obrigatórias não são arbitrárias. Elas não são apenas algo que um executivo sabe-tudo considera importante baseado em pouca ou nenhuma evidência.
Também não podemos desperdiçar o talento dos líderes
Empresas que adotam uma abordagem completamente "bottom-up" também estão desperdiçando o talento da liderança. Quando os reportes diretos deixam de trabalhar junto com seus gestores ou solicitar ajuda, eles fazem o mesmo.
Existem muitos maus gerentes por aí, mas isso não significa que todos trabalhem para o chefe do Dilbert. Há muitos líderes talentosos e experientes, e não podemos desperdiçar seu talento.
Os times estão mais próximos do problema e conhecem detalhes locais e específicos, enquanto os líderes entendem a visão geral e possuem mais senioridade. O verdadeiro poder vem da colaboração entre eles.
Como Marty Cagan explica no livro Empowered, times de alto desempenho não precisam de menos gestão. Eles precisam de uma gestão melhor. Eles precisam de gestores que possam ajudar os times a ter o melhor desempenho.
Isso significa que líderes também precisam desenvolver os músculos e mindsets necessários para que possam orientar, apoiar e alinhar os times adequadamente.
Os gestores de nível médio são essenciais
Falamos muito sobre líderes, mas tudo o que discutimos se aplica a qualquer pessoa que seja um gestor de pessoas, alguém que supervisiona uma equipe de colaboradores.
Os gestores de nível médio (ou middle management) são cruciais para manter as organizações funcionando, como os fundadores do Google descobriram em 2001.
Naquele ano, Larry Page e Sergey Brin decidiram que 130 engenheiros reportariam diretamente ao VP Wayne Rosing. Gerentes não eram mais necessários, já que os engenheiros se "auto-organizariam".
Bill Campbell, que estava mentorando os fundadores, não ficou feliz com a ideia, então ele e Page decidiram perguntar a opinião dos engenheiros. Um após o outro, os engenheiros disseram que queriam ter um gerente. Eles queriam alguém com quem pudessem aprender e precisavam de alguém para ajudar quando as discussões com colegas chegassem a um impasse.
Page seguiu com o plano mesmo assim, mas a ideia de "auto-organização" não saiu como esperado. Alguns engenheiros gostaram de não serem excessivamente gerenciados por chefes ruins, mas muitos detestaram as consequências de ficarem sem gestão alguma.
Como Douglas Edwards, funcionário número 59 do Google, escreveu em "I’m Feeling Lucky" (ênfase minha):
Era o sonho ou um pouco de pesadelo de um engenheiro, dependendo para quem você perguntasse. Nenhum chefe desinformado poderia interferir e estragar tudo, mas não havia sinais claros vindos de cima sobre o que era importante e o que era urgente e o que era ambos. Grupos lutavam por recursos e combatiam redundâncias. Alguns engenheiros queriam mais feedback sobre o que estavam fazendo e sobre seu desempenho, e outros se perguntavam sobre oportunidades de crescimento.
No final, o experimento durou pouco tempo. O Google rapidamente entendeu os problemas causados por gerenciamento de menos e em seis semanas os gerentes estavam de volta2.
Em breve estaremos de volta
Em breve estarei de volta com outro artigo em nossa série sobre como construir organizações outcome driven e obter resultados com OKR.
Enquanto isso, adoraria ouvir de você. Sinta-se à vontade para deixar seus comentários abaixo ou me enviar um e-mail.
Um agradecimento especial a Itamar Gilad por revisar os rascunhos deste artigo, e a Carlos Accioly e Melissa Suzuno por ajudarem na sua edição e desenvolvimento.
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A Intuit também não é perfeita, pois esteve envolvida em diversos problemas legais relacionados ao TurboTax.
Os diferentes livros escritos por ex-funcionários do Google discordam sobre as datas exatas e os números da história, mas todos concordam que o experimento não durou muito tempo.